terça-feira, 6 de julho de 2021

It's in his kiss

"Como é que uma mulher pode ter assim uma certezinha, um vislumbre de sinal verde, de forma a sentir-se confiante para avançar com um homem?"

A vizinha de mamas fartas e caracóis sedosos pergunta-se, num pestanejar dissolvente, enquanto compõe o robe de viscose cor de pêssego que deslizara ombro abaixo.

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Sou uma mulher extraordinária.

Ainda ontem, de máscara cirúrgica, consegui engolir um mosquito.

domingo, 30 de maio de 2021

Segundo esquerdo frente

Caracóis sedosos e mamas fartas espreitam por entre caixotes de cadernos e canetas pretas. De repente, a vizinhança ficou interessante.


Oh não, acabou-se-me o açúcar. Logo agora.

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Draft

- Porque é que escreves isto? 
- Para me lembrar. 

- E porque não escreves num caderno? 
- Porque me esqueceria onde o pus.

domingo, 17 de novembro de 2019

Como é que se sabe (IV)

que não se dorme há quatro anos?

Quando estás parada num semáforo vermelho, pegas no comando da garagem, fazes pontaria certeira, carregas com força no botão, e mesmo assim o filho da puta não vira para verde.

terça-feira, 7 de abril de 2015

As visitas

Sentamo-nos  juntas entre sonhos, dou-te um abraço e ainda estás quente, eles chegam e tu vais-te lestinha para não me embaraçares, eles explicam-me que tu já foste, que é necessário que eu durma, eles vão e tu voltas, onde íamos, continuamos a conversar.

terça-feira, 24 de março de 2015

A última dança.

We live together in a photograph of time
I look into your eyes
And the seas open up to me
I tell you I love you
And I always will
And I know you can't tell me
I know you can't tell me.


Antony and the Johnsons, numa noite chuvosa de Outubro.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Um, dois,

som.

sábado, 19 de janeiro de 2013

O último dia.

Acordou com um formigueiro no braço direito, era costume. Pegou nele com a mão esquerda e abanou-o até voltar a sentir. Tenteou no escuro até aos óculos, encontrou o candeeiro, viu as paredes brancas, o espelho, os livros, o cabide. Devia ter arrumado a roupa no armário, era uma vergonha que lhe vissem o quarto assim.

Era difícil escolher. Gostava de ir tomar o pequeno-almoço à praia, as torradas eram de pão saloio tão bom e sempre daria uso decente a um dos sete novos pares de óculos de sol. Mas há aquela questão de sair de casa sem café, nunca funciona, fica-se com aquela sensação de falta de banho o resto do dia. Ligou a máquina de expresso, fez torradas, comeu-as com atenção em frente à TV. How I Met Your Mother. Ok, até podia ser pior.

Fechou a porta com duas voltas de chave. Contou cinco andares de elevador.

O carro fazia-a espirrar, tinha o tablier coberto por uma espessa película de pó. Conduzir e espirrar era um perigo, pensava nisso amiúde. Se fores, digamos, a 100 quilómetros por hora e espirrares e fechares os olhos por, vá, um segundo e meio, percorreste entretanto 42 metros, mais coisa menos coisa. Quantos gatos podes atropelar em 42 metros? Vários gatos. Há gatos por todo o lado.

Estacionar naquela rua era praticamente impossível. Decidiu entrar por baixo, pelo portão do museu. Subiu até ao jardim e seguiu por palpite pela direita. Nunca sabia exactamente como ir dar aos sítios que queria ali, mas acabava por reconhecer um ou outro canto e encontrar os bancos de madeira, quiçá percorrendo sempre caminhos diferentes. O banco estava ligeiramente húmido. O Verão demorava mais a chegar, cada ano que passava. Deviam inventar um nome novo para o aquecimento global, era simplesmente enganador.

Estar ali era bom, tinha sido uma boa escolha. Gostava do rio, da curva que fazia ali, da azáfama lá em baixo e do sossego ali em cima. Raramente se cruzara com alguém naquele lugar. As pessoas passavam mas não se sentavam. Tinha fotografias ali, lembrava-se com nitidez. Era anos mais nova, as árvores estavam mais verdes e levava roupa preta, apesar de o sol parecer quente. Pegou no livro, leu-o até ao fim.

Quando voltou a casa, viu o lusco-fusco pela janela. Lusco. Fusco. Mas que raio, que nome tão estranho. Tinha formigas na calha da janela. Não sabia de onde vinham, mas mesmo que soubesse o que ia fazer? Não ia matá-las agora. Quando sentisse comichão de patas fininhas na pele ficaria até mais descansada, pela probabilidade de serem formigas em vez de aranhas.

Foi ver as fotografias. Eram exactamente como se lembrava. Se calhar lembrava-se até de mais contornos do que aqueles que realmente via.

Era natural que estivesse a começar. Não sabia precisamente qual era o processo, não quis sequer perguntar, mas explicaram-lhe que, de tão avançada que ia, a degeneração das retinas ocorreria ao longo dessa noite e que, quando acordasse, pela manhã, já não seria capaz de ver.

sábado, 1 de dezembro de 2012

As coisas que dantes fazíamos

são tão parvas assim que as deixamos de fazer.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A parte boa do acordo ortográfico

é que pode ser que finalmente se passe a escrever contrato em vez de contracto.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A esta hora

sou só eu e ela. Eu mastigo funebremente as minhas torradas, ela passeia-se, saltitante, enrolada na toalha de banho. Acho que ela vai sentir a minha falta.