sábado, 13 de março de 2010

A ternura dos 80


De quando em vez, a televisão por cabo tem um acesso de sobriedade e transmite bons filmes.
Mudando de assunto, neste momento está a dar um clássico da minha juventude que moldou os sonhos de muitas adolescentes de poupa, minhas contemporâneas: o Flashdance. Além da extraordinária (leia-se ambivalentemente, se se quiser) banda sonora, a candura do filme nota-se de imediato no tom das vozes - os diálogos são quase murmúrios, parcos em palavras polissilábicas e abundantes em suspiros. Os figurinos terão sido seguramente guardados em dois cabides, um para os macacões e blusões de cabedal, outro para os bodies em fio dental e acessórios de uniforme policial com brilhantes. O hair design também não é complexo: os homens usam-no relativamente curto, ondulado e brilhante, as boas da fita usam-no volumosamente frisado com repas lisas e as más da fita liso e pingado. Creio veementemente que o grosso do orçamento terá ido para o gelo seco.
Mas a verdadeira candura do filme está noutra dimensão. Falamos de um argumento que pressupõe que uma mulher de vinte e poucos pode aceder em igualdade de oportunidades a um emprego tipicamente masculino, na indústria metalo-mecânica, e ainda acumular outro à noite, por amor à arte. Falamos de um argumento em que um patrão divorciado paga uma lagosta à funcionária por quem desinteressadamente se apaixonou. E falamos ainda de um argumento em que cinco piruetas seguidas, com uma recepção perfeita em quarta posição, executadas por uma stripper sem formação clássica não conseguem impressionar o júri bafiento de uma reputada Academia de Dança. Já uns pulinhos a ritmo acelerado acompanhados de um indicador apontado à vez à cara dos mestres logram o entusiasmo geral e a admissão na escola.
Deliciosamente cândidos, os anos 80. Que saudades!

2 comentários:

Sophia disse...

E footloose. E dirty dancing. Não sei se eram os filmes ou a nossa vontade de morder o mundo...

Wiwia disse...

Sensata Margarida: bem possível.