quarta-feira, 20 de junho de 2012

Aquela rapariga

que tem um sorriso franco, que joga qualquer desporto, que atende sempre o telefone, que abre as portas de casa, que cozinha bem para todos, que bebe cerveja e vinho tinto, que sabe dar vários nós, que tem sentido de humor e um doutoramento, que sabe de música, que sabe ouvir, que é criativa e faz, que faz a malta feliz.

A mesma rapariga que nunca foi bonita, que nunca gostou de alguém menos do que gostaram dela, que sempre quis mais do que o sentido abraço, que quer tanto filhos e uma casa cheia para cozinhar e fechar as portas.

A rapariga que é tudo o resto e que nunca foi bonita.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Precisa-se de menino preto

para se sentar no meu colo e tirar uma fotografia. O meu perfil na rede está pouco social.

domingo, 10 de junho de 2012

O Primavera Sounds, depois do Primavera Sounds.

Os senhores da Ípsilon e assim são obrigados a deixar os artigos prontos na secretária antes dos concertos acontecerem, a sério. Eu conto como foi realmente o OPS Porto até agora, sem dizer "etéreo" nem "hipster".

Os The Drums queriam ser os The Smiths mas já não dá, já houve uns desses. Suede foi muito bom. As grandes expectativas em relação a Beach House derreteram-se numa coisa assim morna, com o alinhamento mais aborrecidamente criterioso que já se viu. Tanto M83 como Saint Étienne fizeram os camisas-de-flanela mais resistentes abanar o rabiosque, pimba tomem lá. Os Kings of Convenience queixaram-se de que o barulho dos outros palcos não os deixava entrar no mood certo para tocarem as músicas que queriam. Ainda esperámos todos um bocadinho em silêncio que acabasse o outro concerto porque eles pediram (juro, aconteceu, foi confrangedor), mas depois lá tiveram que tocar outras. Foi uma pena, as músicas que eles queriam mesmo tocar eram de certeza as boas. Uma das grandes surpresas foram os XX. Meteram muito medo às pessoas com aqueles olhos arregalados no vazio e a verdade é que resultou, toda a gente escutou com muita atenção e emoção contida. Mentira, alguns choraram, eu vi.

No geral, o Primavera Sounds foi muito fofinho, havia sacolas de pano que se transformavam em toalhas de pequenique e bolsas pequeninas que eram cinzeiros. Estava tudo muito organizado, havia pouquíssimas filas apesar do mar de gente, os concertos foram muito pontuais e o espaço esteve bastante asseado, até porque 70% eram estrangeiros e usavam de facto os contentores do lixo e os cinzeiros. Também havia um wine bar que servia em copos de vidro com pé. Um festival decente, sem dúvida a repetir.

Se a direita tivesse um Avante, podia perfeitamente ser este.

sábado, 2 de junho de 2012

1992

A Sara. A Sara tinha um rosto perfeito, simétrico, a pele orgulhosamente branca, o cabelo naturalmente preto. Magra, as clavículas salientes emolduravam-lhe a face e quase distraíam de um peito farto, rijo e empinado. Fazia teatro, usava veludo e preto e andava em biqueiras de aço. Quando se descalçava ficava pequena, podia ser outra, uma qualquer, pensei eu algumas vezes. Gesticulava com precisão e queria estudar ciência política. A mãe limpava casas e o pai fazia reparações de cabos telefónicos na Portugal Telecom. Um dia caiu de um poste e morreu, ali na rua, ali, naquele minuto, no chão da terra onde sempre viveu. A Sara disse-me que eu devia ouvir o novo álbum dos Cure, o Wish. A música 8 era a única coisa na vida que a fazia chorar.