sábado, 26 de junho de 2010

Como não?



1. As coisas que acontecem na rua e em casa. As coisas assumidas e o assombro inesperado de um "mas afinal, porquê?".

2. A angústia, a revolta, a raiva do dinheiro que não chega para todos. E que sobra para alguns.

3. As miúdas giras de caracóis que não crescem. "Ai quando souberem como a vida é..." E não, esse dia nunca chega.

4. E a inércia, a apatia de uma vida bonitinha. O passeio inevitável, a ouvir o próprio passo, e o desejo de um mergulho no próximo abismo. Só para sentir qualquer coisa, por favor.

5. À noite. Rara visão de gentes reunidas que reconfortam. Será do barulho? Não interessa, a parede é familiar e a música é nossa, todos a conhecemos. Gostamos de beber e gostamos das mesmas bandas - dá-nos Pixies, dá-nos Roses, dá-nos Valentines. É ver-nos dançar a olhar para os pés.

6. Já estivemos apaixonados, claro. Já rimos à parva, já cantámos todas as canções românticas que detestamos, já nos esquecemos de almoçar e de jantar, já nos despiram com os olhos. Já, não já?

7 e 8. Viagens em carros cheios, programas de festas, cestos de piquenique - ovelhas do rebanho, porque não? Dias dispostos à conversa, sacam-se da cartola os ases e os duques, anything goes - porque não?

9. E eis que chegam as férias. A ilha intocável, ali mesmo no centro do ano, em que se pode sair de si próprio e ser outro qualquer. Por módicos preços à quinzena.

10. Diante de pálpebras que tremem, narizes que envermelhecem, gargantas que não engolem... que fazer? Que fazer quando um homem chora? Que dizer?

11. Ele há dias bons. Mesmo bons. Se consegues fazer um quatro, porque não hás-de conseguir contar uma anedota que põe a malta a rebolar no chão? E aprender a jogar xadrez? E ser pai?

12 e 13. Não pode ser assim tão difícil gostar. Gostar, gostar, gostar. Tirar um dia para gostar. Respirar fundo e carregar Play naquela ópera nipónica. Nada mau, nada mau... Até lembra de quando em vez um Sinatra, uma Piaff, e disso eu gosto.

14 a 16. Ex-peri-mentar. Pelo prazer do processo. Farinha integral, oboé, photoshop, porque sim, porque posso e não tarda nada não estou cá. E porque há quem goste de me ouvir e quem queira depois experimentar também.

E nada disto é meu. Tudo isto é do Neil Hannon, tudo isto é divina comédia e faz o Bang Goes the Knighthood. Só não entendo como não acampamos à porta de madrugada nos dias de lançamento e como não lutamos na lama e não arrancamos cabelos por um bilhete. Não entendo mes-mo.