sábado, 2 de junho de 2012

1992

A Sara. A Sara tinha um rosto perfeito, simétrico, a pele orgulhosamente branca, o cabelo naturalmente preto. Magra, as clavículas salientes emolduravam-lhe a face e quase distraíam de um peito farto, rijo e empinado. Fazia teatro, usava veludo e preto e andava em biqueiras de aço. Quando se descalçava ficava pequena, podia ser outra, uma qualquer, pensei eu algumas vezes. Gesticulava com precisão e queria estudar ciência política. A mãe limpava casas e o pai fazia reparações de cabos telefónicos na Portugal Telecom. Um dia caiu de um poste e morreu, ali na rua, ali, naquele minuto, no chão da terra onde sempre viveu. A Sara disse-me que eu devia ouvir o novo álbum dos Cure, o Wish. A música 8 era a única coisa na vida que a fazia chorar.

Nenhum comentário: