domingo, 2 de janeiro de 2011

Do que importa.

Descíamos os paralelos ribeirinhos, as malas pretas ao ombro. Cheirava a vinho e a madeira inchada antes de chegar à doca. Despíamo-nos a céu aberto de porta fechada, usávamos as mossas do oleado para massajar os pés, sulcávamos o ar gelado dos corredores e encontrávamo-nos em silêncio a meio.

Começava.

Em redor o ar aquecia. Levávamo-nos ao extremo, olhávamos de fora para nós, fazíamos o indizível, não dizíamos palavra, doía e gostávamos. Falange, falanginha, falangeta pelo oleado fora, aguenta, aguenta, salta, eu seguro. O braço cresce, o peito dobra, a espinha roda, a cabeça desce. Pas de deux, trois, quatre. É querer, não é querer desalmadamente, é querer descorporadamente, aceitar que dói, tomar que doa, temer que acabe. Três, dois, um.

E abotoávamos as roupas e subíamos a calçada, as malas pretas ao ombro.