As pessoas que partem retumbam-nos na memória durante um determinado tempo. Aparecem a espaços, tipo um strobe em câmara lenta. Primeiro curtos, os espaços, depois cada vez maiores. E então começa o fade out.
Recordar os detalhes da cara e do corpo de alguém que se foi parece ser um hábito recorrente entre quem é deixado. É um passatempo que se instala e se apodera dos momentos em que conduzimos, em que escolhemos courgettes no supermercado - a embalagem na mão, os olhos ao longe, entre a charcutaria e a padaria, o repositor pasmado -, em que cantamos os parabéns, em que ouvimos ao longe as pessoas importantes que dizem muitas coisas em muitas reuniões. É um hábito curioso, porque não traz conforto mas parece à partida apaziguador, que não é.
À medida que as recordações se tornam menos retumbantes e os espaços cada vez maiores, as pessoas perdem a cor. A cor será então o dado visual menos relevante, visto que só subsiste a cor daquilo que vivia apenas pela cor, como uns olhos azuis de uma miúda burra ou, está bem, um casaco de cores bonitas que se via ao longe mesmo depois da meia-noite. Tudo o resto vem a preto, a branco, a cinzas. Depois é a vez das texturas, que guardamos afinal na memória das palmas das mãos, algumas talvez nas dos pés, e de outros sítios. Na cabeça ficam muito poucas. Por fim despojamos as pessoas das formas. "Era mais curvo ali, mais recto aqui? Largo ou estreito?" Até que tudo o que sobra das pessoas que se foram são linhas. Linhas de movimento, fluídas e definidas, fiáveis e concretas, como a forma como arrastaram a cadeira para passar, como abriram o frigorífico, como levantaram as mãos até à nossa cara, como puseram o saco ao ombro, como corcovaram as costas e soubeste que nunca mais o tornarias a ver.
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
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Um comentário:
é aquilo a que chamo saudade... de alguém que apenas partiu aos nossos olhos, mas que continua junto a nós...
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