Eu tinha umas colibri transparentes que usava no verão. Galgavam os morros do Gerês e iam comigo ao rio, ficavam bem com a túnica do Snoopy e nunca me magoaram os pés. Eram umas boas sandálias. Aos oito anos os invernos são grandes, tão grandes que a roupa deixa de servir e o Gerês é outra vez desconhecido quando chega o verão. Não me lembro do dia em que as colibri desapareceram, mas lembro-me que foram as melhores sandálias que já tive na vida.
Quando descobri que gostava de anéis, a minha mãe deu-me um anel preto, um anel a sério. Era tão discreto e bonito que não passava despercebido a ninguém. Com ele aprendi que não é exactamente preciso fazer as bainhas às calças ou passar a roupa a ferro. Tudo se desculpa com um bom anel. Um dia lavei as mãos e deixei-o em Santarém.
Na idade em que se toma consciência dos avós, o meu avô perdeu consciência das pessoas. Durante anos, sorriu quando nos viu chegar, a meio caminho entre o intrigado e o agradecido pela companhia de estranhos num sábado à tarde num terraço ao pé da praia. Guardei para sempre a fotografia em que ele nos abraça vestidos de índios, perfeitamente alheio ao traje e às caras raiadas de vermelho e preto. Para sempre até ao dia em que a perdi num camião de mudanças.
Há um ano e meio perdi um cão, há uma semana um CD, este mês perdi um colar com 15 anos, há dois anos o melhor amigo e hoje perdi um homem de vista no trânsito. São vazios que eu prezo, vazios que enchem as coisas de sentido.
domingo, 12 de dezembro de 2010
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5 comentários:
Depois das coisas estarem impressas na tua memória, os objectos não são assim tãããooo necessários.
Mas fica a questão no ar: quem era o homem do trânsito?
Maravilho post. Parabéns.
Ja a mim nao me perdes com tanta facilidade (momento gay da semana, e so porque e Natal)
e há coisas que se perdem....e que se voltam a encontrar...como aquele teu colar que este mês perdeste...penso eu!....:)
Não sei. Estou repleto deles.
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