quarta-feira, 6 de julho de 2011

Encetar, enxertar.

Voltar a um sítio que já foi habitual produz uma sensação de confusão e estranheza ante a pessoa que fomos e entretanto deixámos de ser. Eu às vezes olho para o espelho, só quando não há barulho nem pessoas, e vejo-me como se fosse a primeira vez, uma estranha, e desvio os olhos e evito o contacto embaraçoso com aquele ser. Gostava de saber que não sou a única porque isto me faz obviamente duvidar do meu equilíbrio anímico, já para não dizer saúde mental. Adiante, os lugares habituais.

Pelo contrário, em raras ocasiões temos o privilégio de tomar consciência do momento em que instauramos um hábito. Se assim fosse, memorizaríamos a porta em que dorme o sem-abrigo para nos lembrarmos de entrar pela outra, atentaríamos na laje solta do corredor para evitar tropeçar da próxima, sorriríamos desde logo ao senhor da bilheteira porque queremos doravante ser bem tratados, procuraríamos o cartaz dos gelados porque se é Camy não interessa e compro o meu corneto de nata lá fora, veríamos se há máquina de tabaco para não praguejar na vez seguinte, perceberíamos qual é o ponto com mais luz para ler e leríamos de facto o preçário do parque de estacionamento. Mas não. Os lugares habituais raramente se adivinham. Quando tomamos consciência de um hábito, já ele se instalou em nós de jornal e pantufas, e olha-nos por cima dos óculos, a sorrir sacanamente.

5 comentários:

disse...

tenho uma coisa escrita acerca do nojo do meu reflexo ao espelho. mas devia ser um really bad hair day, porque nunca mais me deu para continuar aquilo.

e se passasses férias em Santa Iria do Esterco aprendias a gostar da Camy, porque é a única merda que há em certos pueblos de Verão.

Nawita disse...

Passei por uma fase (demasiado longa) em que não me conseguia olhar ao espelho e encarar a mulher que ali via, não era eu que não a reconhecia mas sim o contrário e sentia vergonha, muita vergonha e não sabia como me perdoar e explicar-lhe tudo o que lhe tinha feito.
Entretanto deixei-me de tretas, pedi-me desculpas, acredito que já me perdoei, e reganhei a antiga coragem, agora é viver cada dia de forma a conseguir encarar-me todos os dias, até porque não podia continuar a andar em público despenteada e desmaquilhada.

Quanto aos hábitos, estou a tentar quebrar os que têm pois são maus para mim, preciso de espaço para novos.

Wiwia disse...

Zé e Nawita,

Eh pá, obrigada, a sério. Cheguei mesmo a pensar que podia ser só eu e isso seria um bocado assustador. Mas por acaso... comigo nunca foi nojo nem vergonha, é só mesmo uma estranheza, quase uma surpresa porque tanto podia ser este "invólucro" físico como outro qualquer. Bom, acho que não dá mesmo para explicar sem soar pírulas. ;p

Ah, e...

Zé,
Exacto - "a única merda que há em..." Ainda bem que concordamos. :)

Nawita,
Citano o grande B.Stinson, "new is always better". ;)

Nawita disse...

Wiwia,

compreendo, não é o invólucro que me causa estranheza ou nojo, é o que vai lá dentro e o que levou a que ficasse assim, as suas ideias, fantasmas, medos, e por aí fora.
Por vezes saio de mim e fico parva a pensar quem és tu?

lampâda mervelha disse...

Mudem de espelho. Alguns são uma merda.