Conhecemo-nos a ler uma história épica de amor, sangue e vingança, Das Nibelungenlied, e vivemos os dois alguns anos.
Ele abraçava-me com muita força todas as manhãs, como se tivesse acabado de voltar de uma plataforma petrolífera na Líbia. Não dizia uma palavra porque acordava sempre de mau humor e só falávamos depois do almoço. Quando metia a pata na poça, gritava e lacrimejava de raiva e saía porta fora para voltar 20 minutos mais tarde com queijos, uma caixa de húngaros e um vinho debaixo do braço. Os húngaros eram para ele. E apertava-me as mãos nas dele, que tremiam enquanto abria muito os olhos brilhantes para mim.
Vivia-nos como se amanhã pudesse não haver. Adorava-nos sagradamente e antes de todas as coisas. Não gostava de pessoas, só gostava de mim, do cão e de dois bons amigos. Um deles era o cão.
Como tudo o que se repete, eu achava aquilo normal e frequentemente enfadonho. Pedia-lhe comedimento e ponderação, dizia-lhe que os abraços me pisavam nas costelas.
A imagem dele cravou-se em mim como o arquétipo da paixão. Sei-o, inevitável. Não espero que todos os homens sejam assim. Não quero que todos os homens sejam assim. Mas espero que, quando o mundo se afunila nele e lhe aperta os tomates, que seja capaz de um salto arrojado, que seja incapaz de pensar amanhã, que se dispa para sair à rua, que se ofereça à vergonha e se nauseie com o morno, que faça hoje todo o ridículo que as pessoas fazem quando se querem com força, porque a vida não dobra, só parte, e amanhã nós já não somos.
domingo, 10 de julho de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
7 comentários:
Era esta a história dos cães rafeiros?
Bingo.
:D
(como és tão esperto?)
Tenho a dizer que há muito tempo não lia um texto que gostasse tanto.
clap clap.
Jekyll,
Esta lamechice ficcional?? Nã. Fica mas é para ler os posts das asiáticas e dos rissois de chèvre com mel e nozes no forno. Isso sim.
Bem vindo ;)
"Amanhã, já não somos".
Acreditas mesmo nisso? É que se acreditares, beijo-te já aqui.
LM,
Qualquer semelhança entre este blogue e a realidade é pura coincidência. Por exemplo, eu sou homem. Venha daí essa beijoca então.
gostei muito desta "lamechice ficcional" :) bj
Postar um comentário