Atravessava a avenida com passos rápidos e olhos no chão, em sandálias vermelhas. De paralelo em paralelo, disparavam imagens de outra noite em que atravessava a mesma avenida em sapatos diferentes. Em mãos diferentes.
O desafio do presente, para quem já leva uns anos nos ombros e nas pálpebras e nas coxas é esse mesmo, o de dosear o passado. Injectá-lo em doses certas é sensato e produtivo, enquanto que ignorá-lo ou mesmo recalcá-lo é desintegrador e resulta na maior parte dos casos em cenários desastrosos, como quem não adivinha um crash pelo preço da tulipa.
As relações aos trintas sofrem inevitavelmente da falta de novidade. É a vida. Ela já aconteceu, e várias vezes. Apaixonar-se por alguém e sentir-se amado depende em pesadíssima parte da mestria da arte do faz de conta. Faz de conta que nunca aconteceu, faz de conta que é novo e que pode levar a qualquer lado inusitado, mesmo quando já sabemos de cor as coordenadas do destino. É de fulcral importância acreditar nisto ao ponto de fazer o outro acreditar também e de assim se sentirem ambos únicos. Sentir-se único a dois é vital e é muito frágil. Simultaneamente, é imperativo contornar a tentação da omissão - quando é que é lícito não dizer que já estive aí e já fiz isso? - e, sobre todas as coisas, fugir desesperadamente da pouca inteligência da mentira, da estranhíssima vergonha de assumir o que somos com o que fomos, incluídos os seus ciclos e falhas e aparatosos embaraços repetidos.
Fazer de conta para ser a sério. Quem diria.
sábado, 2 de julho de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
13 comentários:
Todas as tuas experiências são únicas e inigualáveis. Cabe a ti, para que usufruas delas, encontrar essa novidade: o sorriso com uma nova couvinha nos dentes,o cabelinho desalhinhado, a calinada terrorífica... tens que ver as coisas pelo lado do milagre Tixa!
damn...
E alguém tem culpa que sejam feos? A não serem já não parlavas assim. Pede-me conselhos.
Eu à primeira li: "sabemos a cor dos coordenados do destino" e até se encaixaria no texto :)
A falta de novidade não pode ser constante na medida em que não estamos com a mesma pessoa e apesar de sermos as mesmas pessoas, na verdade não somos, pois as tais experiências passadas marcaram mais isto ou aquilo em nós, o que, a meu ver, molda-nos e não nos permite embarcar nas mesmas viagens.
Alteridade.
não é fazer de conta. parece, mas não é. e junto a frase de heraclito, para haver um grego a dar razão a uma portuguesa :):
não podemos banhar-nos duas vezes na mesma água de um rio. porque nem a água nem nós somos os mesmos.
ou seja:
é a fragilidade de ir ao banho ;)
podes sempre voltar ao passado, é lícito.
Eu gosto do meu passado bem-passado.
As relações, seja em que faixa etária for, são como gostar de música.
Por muito que conheças, que já tenhas ouvido, que gostes ou deixes de gostar, se gostas de música, está destinado que algo te vai surpreender mais cedo ou mais tarde. Não é o formato que diferencia, é o conteúdo.
E o resto dava para um comentário pseudo-filosófico de 300 linhas, ainda assim de elevado gabarito, para o qual eu acho que as caixas de comentários tradicionais do blogger ainda não estão preparadas.
Mak,
Por favor?
Ora vamos lá a isto.
Mafalda,
Sabes que "sim" a isso tudo. Tu sabes que eu sou casamenteira :)
Oh pá, mas agora toda a gente sabe que eu me chamo Patrícia... :/
Indieotta,
Não praguejes, homem.
Anão,
Ora dá-me lá conselhos então. Peço-te.
Calíope e Estela,
Uma bela fusão do racionalismo nórdico com o hedonismo grego. Somos todos feitos da mesma massa. Ainda que ela mude. :)
Luiz Pacheco,
Alterco sobre isso.
Anônimo,
Num DeLorean?
Passo.
Nawita,
Sabes que eu, badalhoca, gosto das coisas cruas.
Mak,
Mostra-nos lá o teu gabarito grande... (Atum Macaco®)
Postar um comentário