repetia tantas vezes o Jeroen, no seu português esforçado, aos fins da tarde na faculdade de letras. Era um homem alto, bonito, nos seus 30s, incansavelmente sorridente. Sentava-se na mesa a olhar pela janela e contava-nos da origem holandesa de algum léxico brasileiro, como "brotinho", que vem de broodje, pãozinho. Nós éramos muito poucos e achávamos-lhe graça ao jeito levezinho de desentrançar as questões complexas dos cruzamentos de influências, culturas e fluxos de gentes nas composições linguísticas do mundo.
Hoje vejo o meu reflexo no interior dos vidros da mesma sala. Estou sentada naquela mesma mesa, perante alunos diferentes. Hoje sei o difícil que é ser-se simples, o complicado que é descomplicar. Sei das toneladas que pesa um esboço de sorriso ao fim da tarde. Lembro-me muitas vezes do Jeroen, do sorriso dele, dos olhos vagos, do peito pesado que tinha dentro uma mulher e uma filha que nunca mais viu. A história clássica da brasileira que pesca o estrangeiro, engravida, casa e foge com o dinheiro. Histórias em que ninguém cai. Ele, um homem nada normal, um homem inteligente, alerta, informado, caiu até ao fundo do fundo. Nos 10 anos que passaram, não voltei a tocar no assunto, mas fico com a sensação de que, se pudesse voltar atrás, caía outra vez.
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
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5 comentários:
Há erros incontornáveis, que nos marcam e definem. Possivelmente sem ter caído no fundo do fundo ele seria uma pessoa completamente diferente.
O Jeroen era um doce. Lembro-me de ser adolescente "bobinha", das aulas de Cultura Alemã com ele até às 20h30 e das minhas amigas dizerem entre sorrisos "ele é tão fofinho". E era. Queria sempre saber da nossa vida, dos nossos problemas. Não sabia dessa história da brasileira e da filha e a última vez que o vi foi em 2006, já eu tinha acabado o curso, quando me disse que ia embora da flup. Fiquei com pena.
no fundo do fundo do fundo?
Kiss Me: Deveras. E "foi-se embora" muito injustamente.
Indieotta: Ele queria de facto reproduzir a expressão "No fundo, no fundo", mas não sabia e nunca ninguém o esclareceu. Era muito mais expressiva assim, de qualquer forma. :)
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