No ano passado, em Riga, ainda não conhecia a blogosfera. Oh, conhecia, claro, mas não fazia ideia para que servia. Não fazia mesmo. Estava num bar montado numa casa abandonada. Tinha várias salas, muitas sem tecto. No quintal projectavam um documentário sobre o cinema da década de 40 e havia quem o visse de facto, apesar do frio. Em Riga há pessoas muito espertas. No andar de cima - subia-se pela escadaria com um tecto de heras e lâmpadas embrulhadas em papel celofane colorido - havia um barman sisudo e bonito a quem pedi rum. Eu não sei flirtar, é melhor avisar já. Nunca soube sorrir pela primeira vez, só sorrir de volta e pouco convincentemente. Mas não sei lá porquê, achei que aquela era uma boa noite para tentar e lá encenei um esgar de flirt. Não havia rum. De três marcas de vodka, tive que escolher uma. Também não havia sumo de limão. Nem de laranja. Troquei com o homem tantas frases e acabei a beber vodka com um sumo espesso de ananás e sem lhe ver os dentes. Quando voltei à sala com bancos de automóvel e spectrums pendurados na parede, encontrei a R. não surpreendentemente rodeada de homens. Riam e bebiam e contavam histórias dos seus países. Um não. Tínhamos duas pessoas de distância e pouco mais, percebeu-se depressa. "I'm a linguist" não costuma receber de volta um "So am I". Falámos de Chomsky e de fonemas, eu sorri ao de leve e ele sorriu mais do que eu. Fomos juntos para o hotel e despedimo-nos à porta. No dia seguinte acordei em Trinidad y Tobago e nunca mais pensei nele até hoje.
Assim, acho que devo a alguém um pedido de desculpas. Um daqueles grandes, enormes, totalmente irrelevantes, de quem não fazia ideia da dor que causava, de quem não sabia mesmo que o tempo era um moinho de pimenta, grrrkk, grrrrk, grrrrk. Via a vida como um play-doh, esticável e mutável ad eternum. Desculpa. Diria ainda que me lembro de ti deitado na cama de olhos abertos e inchados e que te admiro o estoicismo. Diria diverte-te em Buenos Aires e boa sorte com as aulas de pintura. O risco de soar condescendente e quiçá cobiçosa refreia-me o ímpeto, porém. Podes estar descansado. Era só mesmo isto e até o digo baixinho: desculpa.
Ah, e também não "posto" a Talk Show Host.
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2 comentários:
Há histórias que se prestam para finais bifurcados. De outra forma não fariam sentido.
(Ai! (suspiro) Linguística+Riga+ilha paradisíaca+Buenos Aires -> onde é que se arranjam pacotes desses?) :)
Aí é que está o "tricky" da coisa: não se arranjam.
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